Eugênia Cabral
eugeniacabral@dedodemocaseditora.com.br
@eugeniamcabral
O prêmio de literatura nacional dos Estados Unidos, National Book Awards 2011, foi conquistado pela autora Jesmyn Ward com a ficção “Salvage The Bones”. A história retrata uma comunidade norte-americana atingida pela passagem do furacão Katrina, no Mississipi, e recebeu excelentes críticas desde seu lançamento. No discurso de agradecimento, Jesmyn disse que foi inspirada a seguir seu sonho de se tornar escritora depois da morte de seu irmão, que foi atingido por um motorista bêbado no ano em que ela se formou na faculdade.
Para a escritora, “livros são um testemunho de força ante um mundo punitivo”. E assim, os acontecimentos do furacão e o que os sobreviventes enfrentaram em seguida (roubos, assassinatos e estupros dentro dos locais de refugiados) culminaram no que foi considerado o romance mais importante do ano naquele país.
Esse é um testemunho que muitas vezes aparece no discurso de pessoas relacionadas com a arte. Ela é nosso estandarte contra a perenidade da vida. Achei interessante, no entanto, pensar no sentimento de perda e vazio que gera a arte. Se Sócrates não tivesse sido condenado à morte, nós teríamos a “Alegoria da Caverna”? Talvez sim, mas talvez o texto não estivesse tão apaixonantemente escrito se Platão não tivesse vivido a dor de perder seu mestre.
Os assassinatos brutais de crianças em uma escola norte-americana em Columbine provocou a autora Lionel Shriver a mergulhar na sociedade que cria assassinos mirins. Assim como Michael Moore fez no documentário “Tiros em Columbine”, ela traz uma abordagem diferente do acontecimento que não tem nada de “videogames provocam violência” ou “culpe a televisão”.
A mãe de Kevin Khatchadourian, o assassino, escreve cartas para o pai ausente do menino e nelas discute a criação do filho, o relacionamento entre eles e suas próprias escolhas de vida dentro de uma sociedade dominada pelo senso de absurdo. O livro é controverso e discute se a própria decisão da maternidade tem muito a ver com nossas atuais crianças. A história, que não é real, tem elementos de vários desses crimes que, infelizmente, tornaram-se recorrentes nos Estados Unidos.
Não uma face bonita da nossa humanidade para ser eternizada, mas uma provocação em resposta ao que vivemos. Seria mais agradável viver num mundo só com o lado da Comédia. Mas se vamos ter que enfrentar a Tragédia, que ela dê frutos de reflexão, pelo menos. Enquanto isso, já estou aguardando a tradução do livro da Jesmyn Ward aqui no Brasil.
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
terça-feira, 8 de novembro de 2011
Tanto para ler: As leis e os livros
Eugênia Cabral
@eugenimcabral
A gente costuma dizer que não se legisla a favor da cultura no Brasil. Verdade apenas em parte. Tem projetos interessantes. Só que não sabemos, não cobramos, não acompanhamos. De um ano para cá, por conta de um novo trabalho, se abriu diante dos meus olhos o mundo legislativo brasileiro. Confesso que não tinha a menor ideia do que se passava em nenhuma esfera de poder além do que era publicado nos jornais. Descobri que todos os dias vários projetos, muitos que me interessam pessoalmente, são colocados em pauta. E se eu ficar dependendo só da pauta da imprensa, demorarei a conhecê-los.
Agora em outubro, o deputado federal Izalci Ferreira (PR-DF) fez uma indicação (INC 1802/2011) ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome para a inclusão de livros nas cestas de alimentos distribuídas por meio dos programas sociais. Não seria uma iniciativa ótima? Além de receber apoio alimentar, eles poderiam ter acesso a obras brasileiras. Muitos não saberiam ler, outros não teriam interesse. Despertariam, porém, para outra proposta de acesso e incentivo à literatura.
Esta proposta é uma reformulação de outra que o senador Cristovam Buarque (PDT/DF) fez em 2009: o Projeto de Lei 5161/2009 instituía a Cesta Básica do Livro para alunos do Ensino Fundamental e Médio da rede pública que funcionaria da mesma forma que a cesta alimentar. A Comissão de Educação e Cultura rejeitou e a Mesa Diretora arquivou.
E alguém sabia que de acordo com uma Norma Jurídica de 2009, Taubaté, em São Paulo, é a "Capital Nacional da Literatura Infantil"? Roberto Alves (PTB/SP) foi o autor e eu não sei nem onde essa nossa Capital Nacional fica no mapa...
Outro projeto que está em trâmite é o de Marcelo Almeida (PMDB-PR), o 7263/2010 cria o Prêmio José Ephim Mindlin, para escolas “públicas ou privadas, de ensino fundamental ou médio, que desenvolvam atividades curriculares relevantes ligadas ao livro e à leitura”. O PL está sendo avaliado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), que tem obrigação de conferir se os PL’s não ferem a Constituição e nem outras leis anteriores a eles.
Na Câmara dos Deputados, a Comissão de Educação e Cultura é encabeçada por representantes do Nordeste: Fátima Bezerra (PT/RN) é a presidente; Lelo Coimbra (PMDB/ES) é o 1º Vice-Presidente, Artur Bruno (PT/CE), o 2º Vice-Presidente; e Alice Portugal (PCdoB/BA) ocupa a posição de 3º Vice-Presidente. O que será que esse time anda fazendo pela literatura no Nordeste? Todos os projetos, normas e indicações feitas podem ser lidas na íntegra em www.camara.gov.br. Recomendo dar uma passada de olhos por lá de vez em quando. Leitura instrutiva e eu já achei verdadeiros épicos naquelas páginas...
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Tanto para ler: Bonecas russas
Eugênia Cabral
@eugeniamcabral
Eu tenho descoberto que estes textos para a Dedo de Moças viraram um verdadeiro termômetro da minha vida. Quando eu perco o controle por um segundo, a semana passa sem ele. E quando se uniu uma viagem à correria, passaram algumas semanas sem que eu semvergonhamente desse as caras por aqui. Perdão. Eu passo batido mas não é por descaso. Retomemos. Sempre retomemos, aliás.
Ontem, minha prima se indignou quando viu uma propagada de “O Morro dos Ventos Uivantes” na revista da Avon: “O livro preferido de Bella e Edward da série Crepúsculo”. A raiva foi ver um clássico como o romance de Emily Brontë reduzido a uma indicação da série de vampirinhos adolescentes. Eu concordo em gênero, número e grau que é rebaixar a obra. Mas a Avon vender livros por aquelas revistas, eu acho ótimo. Se precisar relacionar com os vampiros da moda para fazer a Emily ser lida, estou dentro.
Nunca li “Crepúsculo” (falha séria com leituras in da atualidade) mas particularmente adoro quando estou lendo um livro que me traz informações de outro livro. Um dentro do outro nos permitindo uma degustação dos protagonistas e suas histórias. Por exemplo, terminei de ler “A Elegância do Ouriço”, de Muriel Barbery, desesperada para ler “Anna Karenina”, de Tolstói. Também de conhecer um diretor japonês cujo nome agora não me recordo mas é muito comentado na história.
“As Horas”, de Michael Cunningham já é por si um romance maravilhoso (muito bem adaptado por sinal). Os pedacinhos de Virginia Wolf que vão se soltando dele podem servir de ponte para toda sua obra, mas remetem diretamente à “Mrs. Dalloway”.
Há livros especialmente feitos para evocar outros. Em “O Leitor”, Bernhard Schlink um adolescente de 15 anos tem seu primeiro caso amoroso com uma mulher. Seu ritual de encontros envolve a leitura em voz alta de livros como “Odisséia”, de Homero, “Guerra e Paz”, de Tolstói e “A dama do cachorrinho” de outro russo, Anton Tchékhov. Tirando Odisséia que já li, todos entraram na lista de 2012 (vejam como só vai dar Tolstói...).
Às vezes, o livro nem cita o outro, mas traz tanto de seus elementos que se faz necessário ir atrás da segunda obra. José Saramago construiu “A Caverna” praticamente tricotando com Kafka. Aí fica aquela sensação de: “eu devia ler “O Castelo” para completar essa história... Aviso justo aos navegantes já que uma amiga só descobriu depois de 600 páginas: o referido texto é uma obra inacabada. Não que eu achasse que Kafka ia dar fim ao sofrimento do agrimensor. Fica a critério de quem for encarar.
“Cartas para Julieta”, de Ceil Friedman e Lise Friedman, não tem a ver com a história do filme. Realmente chegam à Verona milhares de cartas direcionadas a Julieta e um monte de voluntárias se encarregam de responder. O livro mostra algumas cartas, as voluntárias e como a cidade construiu o mito que culminou na história imortalizada por William Shakespeare: “Romeu e Julieta”. Desafio a qualquer pessoa não correr para ler, ou reler, o clássico depois de descobrir as histórias de Verona. E vale a pena.
Assinar:
Postagens (Atom)