O sertão de Patativa a nosso alcance
Por Eugênia Cabral
eugeniacabral@dedodemocaseditora.com.br
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@eugeniamcabral
Tem algumas idéias que, quando colocadas em prática, chocam pela obviedade da coisa. Unir os textos do escritor Gilmar de Carvalho às imagens do fotógrafo Tiago Santana em um livro sobre Patativa do Assaré era elementar, compadre Watson. Ontem, na Livraria Cultura em Fortaleza, foi lançado “Patativa do Assaré – O sertão dentro de mim” (2011, 144 páginas, R$95,00).
O livro é lindo como nós sabíamos que seria. A publicação da Tempo de Imagem/SESCSP é impecável em qualidade de papel e diagramação. As imagens de Tiago Santana (muito preto e branco) intercaladas com as xilogravuras do artista João Pedro e os textos produziram uma obra que você vai lendo, e relê, e daqui a pouco descobre outra imagem e mais outra. A foto de abertura com uma árvore sem folhas e umas vacas é daquelas que provocam uma mistura de melancolia com saudade. Aliás, descobri que muitas das imagens “clássicas” usadas sobre o escritor são do Tiago.
O fotógrafo, que desde criança freqüentava a casa de Patativa em Assaré, passou dois anos acompanhando o poeta para este ensaio. A sensação de “ser de casa” aparece em muitas das fotos pela gentileza e intimidade. O texto do Gilmar de Carvalho completa a sensação de encontrar Patativa em seu lar, como Gilmar foi tantas vezes. O autor descreve a chegada, suas primeiras impressões (“aquela casa era vida”), o entorno, o homem e muito das emoções e idéias do poeta do sertão. Sem contar a própria poesia de Patativa que ilustra também o livro.
A publicação homenageia o aniversário de 102 anos de Patativa, no dia 05 de março. Nascido Antônio Gonçalves da Silva, na região do Cariri, ele é dono de uma obra ora versátil e brejeira, ora reflexiva. Muitas vezes, aborda a situação do sertanejo e questões sociais brasileiras, o que chegou a valer um mandato de prisão para o poeta durante a ditadura militar.
O lançamento merece um capítulo a parte. A interação entre os participantes foi animadíssima. Debate sobre papel das secretarias de cultura, situação da escrita em Fortaleza. Interrompiam-se , respondiam-se, implicavam-se. Um negócio tão cearense quanto Patativa esteve presente: aquele grito “Iiih!”.
Um participante iniciou um testemunho sobre sua convivência com Patativa. Outro gritou: “O senhor não disse seu nome!”. Grito de volta: “Eu posso dizer mas o senhor também não disse o seu quando falou!”. “Iiih!” Um outro falava do Festival de Rebeca (ao que o público responde gritando: “RAbeca!”) e comentou “evento que vocês todos foram convidados”. Um menino vira e pergunta: “Eu fui?”.
Ao fim, Gilmar de Carvalho alerta que as duas grafias são permitidas “rebeca” e “rabeca”. Comenta que fica feliz que os lançamentos de livro tenham se tornado hoje em Fortaleza cada vez menos sobre os autores e mais sobre a obra e a cultura cearense. E com aquela elegância mordaz que só meu querido professor tem, finaliza: “Espero que tenham gostado do talk show. Pode ser que alguma TV pública se interesse porque sempre foi meu sonho apresentar um”. Ironia fina...
Wellington Jr, outro professor, grande amigo de Gilmar, um dia me disse que o desafio de se escrever sobre algo está na dificuldade de, ao utilizar somente palavras, conseguir dar a dimensão exata do momento sobre o qual se fala. Nem tudo pode ser descrito em palavras. Mas Gilmar, Tiago e agora Eugênia (sobre eles) se utilizam do melhor que a palavra nos oferece. Ô povo para escrever (e fotografar) bem! Belo livro, bela dica do blog.
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