terça-feira, 1 de março de 2011

Tanto para Ler



O domingo levou Moacyr Scliar

Por Eugênia Cabral
eugeniamc@gmail.com
@eugeniamcabral


Domingo é um dia que já chega ligeiramente caído e com olhar perdido. Mas neste último, veio empalidecer o domingo a notícia da morte do escritor gaúcho Moacyr Scliar, que nos deixou aos 73 anos, vítima de um AVC. Sua última crônica publicada na “Folha de São Paulo”, no dia 17 de dezembro ou de janeiro (o site da Folha apresenta as duas datas) tem como título “A Mulher sem medo” e fala do sofrimento de um homem que casou com uma mulher sem medo de nada.
Moacyr Scliar escreveu vários romances literários e sobre Medicina, já que nunca deixou de atuar nesta área. Mas para mim, ele era o escritor de crônicas. Daquelas que vinham no livro didático de português que hoje em dia algum estudioso de pedagogia deve chamar de retrógado e ‘deseducativo’, mas que me ensinou tudo o que sei de português e de crônicas. A seção abria com uma crônica ou às vezes poema, depois, eram exercício de interpretação de texto, gramática, ortografia e terminava com uma tarefa de escrita. Lembra, né?
Nestes livros, eu conheci o Scliar que depois me encantou na coleção “Para Gostar de Ler” da Ática em um “Um país chamado infância”. É uma coletânea de crônicas infantis. Infantis de inocentes, de engraçadas e de enternecedoras. O livro é dividido em três momentos: Travessuras, Momentos inesquecíveis e Pais e filhos.
Eu adoro “Deixa a luz acesa, Pai” no qual o pai que repreende o filho por temer o escuro é em seguida engolfado por todos os medos que ele mesmo tem da vida. Mas, um dos meus preferidos é também “Nem Doeu”. Que eu deixo aqui, em trechos, em agradecimento às risadas que eu dei lendo seus textos, Moacyr Scliar. Que sua alma siga sem medo e sem dor.


O momento chega para todos os pais, por mais esclarecidos que sejam, por maior que seja sua bagagem pedagógica ou mesmo seus sentimentos de culpa. Chega um momento em que os filhos enchem tanto o saco, que o pai, ou a mãe, não agüentam e acabam dando uma palmada no pequeno demônio. (...)
A coisa é tão súbita que a primeira reação do garoto é de incredulidade. Ele não pode acreditar que seu velho e inerme pai, aparentemente dotado de uma resignação bovina, se tenha revoltado de repente e proclamado sua independência. Mas o fato é que aconteceu; e ali ficam os dois a se olharem, o próprio pai meio surpreso com sua súbita explosão.
O momento seguinte varia, de acordo, talvez com a força da palmada e com a expressão de fúria do pai, mas, mais provavelmente, com o temperamento da própria criança. Tem os que em seguida abrem o berreiro, provavelmente ampliado pela vontade que têm de causar culpa no pai. Tem os safados que resolvem levar na brincadeira e começam a rir. Tem os que vão se queixar para a mãe ou para os avós. Tem os que fazem ameaças. E tem aqueles que arregalam os olhos, engolem em seco, e dizem simplesmente: nem doeu. (...)
A dor já é algo difícil de agüentar. Mas ter de suportar a dor, dizendo que nem doeu é coisa para herói. Os que dizem nem doeu são os que mudam a face do mundo. Com ou sem palmadas no traseiro deste.”

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